sábado, 4 de dezembro de 2010

“A Filhó Dourada”



A história que vou contar chama-se “A Filhó Dourada”.

Douradas, muito douradinhas são elas todas, empilhadas na travessa, como um castelo por conquistar.

As últimas são as melhores. Têm mais açúcar, desfazem-se mal lhes tocamos… A gente pega delicadamente numa das que sobraram, dá-lhe um impulso que a ponha a deslizar na travessa, para ensopar bem e, num gesto rápido, sem pingar a toalha, mete-a na boca. O estalar dela, de encontro aos nossos dentes, é música com açúcar.

Naquela ceia de Natal, todos tinham comido filhós.
— Estão uma delícia — comentavam.

E, porque estavam uma delícia, não tinha sobrado senão uma, no fundo da travessa. Era uma ilha minúscula e redondinha, rodeada por um mar de açúcar. Todos os olhos fitavam a filhó, que estalava em reflexos de oiro. Uma tentação.

À roda da mesa, diziam para o avô:

— Só ficou uma filhó. Porque é que a não come?

O avô, então, virava-se para a avó e segredava-lhe:

— Come tu, anda lá.

A avó não queria.

— Comam vocês — dizia ela, apontando para a filhó e para os filhos.

— Eu já comi muitas — desculpava-se um.

— Também tenho a minha conta — dizia outro.

— Nem mais um bocadinho — declarava um terceiro.

Parecia que nenhum queria tomar a responsabilidade de comer a filhó. No entanto, ela lá estava muito dourada, a recortar-se no meio da calda de açúcar. Apetecia mesmo ver e… comer.

Mas, à volta da mesa, não se decidiam. E a filhó, a última filhó, andava de boca em boca, sem se fixar na boca de ninguém. De oferta em oferta, chegou a vez da tia Luísa propor:

— Os pequenos que comam. Sempre quero ver qual dos meus sobrinhos chega primeiro à filhó.

Os meninos não se precipitaram sobre a filhó apetitosa, como seria de esperar. Cada um ficou à espera do primo ao lado, e o primo ao lado do outro primo ao lado… Fosse por acanhamento ou fosse por que fosse…

— Afinal ninguém a come — observaram do outro extremo da mesa. — Esta filhó deve ser mágica.

Olharam uns para os outros e sorriram.

A ceia estava no fim. Os meninos tinham sono. O avô cabeceava. Começou a ouvir-se o arrastar das cadeiras. Era a debandada.

— Amanhã se arruma a casa — disse a tia Luísa, e apagou a luz da sala de jantar.

Quando todos já se tinham ido embora, a filhó, no lusco-fusco, ao meio da mesa, começou a brilhar. Intensamente. Acreditem ou não, como se tivesse luz dentro. Como um pequeno sol ou um bocadinho de oiro, a desfazer-se em açúcar.

António Torrado
www.historiadodia.pt

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